A história do Brasil é marcada por luta e resistência à tortura. Da invasão ao território pelos portugueses no século XVI, passando pelos processos de colonização, escravização e ditaduras, até os dias atuais, as violações de direitos são uma realidade que se perpetuam em nossa sociedade. A partir do processo de redemocratização, o país tem promovido tentativas para prevenir e combater esta violência ao assinar tratados internacionais e instituir instrumentos legais, como a Lei 9.455/97, que define os crimes de tortura. Apesar da atenção nas últimas décadas, é preciso avançar nos esforços para erradicá-la.
Neste 14 de julho, data que marca o Dia Nacional de Combate à Tortura, a Defensoria Pública da Paraíba (DPE-PB) destaca a necessidade de criação de um protocolo interinstitucional de atuação conjunta contra o tratamento desumano, cruel ou degradante a quaisquer pessoas. A data, institucionalizada pelo Estado Brasileiro em 2024, relembra a vida do auxiliar de pedreiro Amarildo Dias de Souza, que desapareceu em 2013, após ser detido, levado, torturado e morto por agentes da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Seu corpo nunca foi encontrado.
Como no episódio de Amarildo, no Brasil, os índices de tortura e maus-tratos estão relacionados à violência do próprio Estado. Segundo a Coordenadoria de Atendimento da Execução Penal e Estabelecimentos Penais (CAEPEP) da DPE-PB, nos últimos 4 anos, houve o aumento de cerca de 30% na letalidade de ações policiais na Paraíba. Mesmo que, pelo seu tamanho, as violências cometidas por servidores públicos sejam menores do que em outras unidades federativas, a Paraíba possui um dos cinco maiores aumentos desse índice no país. No entanto, a Coordenadoria evidencia a falta de dados específicos sobre a tortura no estado.
A defensora pública e coordenadora do CAEPEP, Iara Bonazzoli, que preside o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, alega a necessidade de integração no Sistema de Prevenção e Combate para facilitar a articulação desses dados e as ações de cada órgão. “Cada instituição tem os próprios protocolos. Existem protocolos, inclusive do CNJ, que recomendam a atuação. Temos tratados internacionais que o Brasil aderiu e que indicam alguns caminhos, mas não existe um protocolo entre as diversas instituições. Isso demonstra a importância de se criar um protocolo que junte nossas atuações”, afirma a defensora.
PENA JUSTA — Em outubro de 2023, o Supremo Tribunal Federal determinou a criação de um plano nacional em resposta às violações de direitos humanos nas prisões brasileiras, entendida como estado de coisas inconstitucional. Na decisão, foi indicado que nos estabelecimentos prisionais há condições precárias de alimentação, higiene, saúde, infraestrutura, superlotação, e relatos de tortura e maus-tratos. Desta determinação, em fevereiro de 2025, o Conselho Nacional de Justiça e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) lançaram o plano Pena Justa, com mais de 300 metas a serem alcançadas até 2027.
Na Paraíba, o Comitê de Políticas Penais do Estado com apoio técnico do Programa Fazendo Justiça CNJ/PNUD, iniciou em maio deste ano a construção do Plano Pena Justa no âmbito estadual. As discussões estão organizadas em quatro eixos temáticos: controle da entrada no sistema, condições das prisões, processos de saída e reintegração social, e políticas de não repetição das violações.
A Defensoria integra o comitê estadual e foi escolhida para coordenar dois dos quatro eixos, a convite do Tribunal de Justiça da Paraíba. A partir das reuniões, a defensora Iara Bonazzoli passou a gerenciar os eixos 1 e 4, de Controle da Entrada e das Vagas do Sistema Prisional e Políticas de Não Repetição do Estado de Coisas Inconstitucional, respectivamente. “Uma das pautas que a gente está trazendo para esse plano é justamente a criação de um protocolo interinstitucional para acompanhar os casos mais significativos de tortura e, enfim, conseguir prevenir essa prática ilegal”, explicou a defensora.
ESFORÇO NACIONAL — As discussões sobre novos protocolos são de abrangência nacional. Um grupo de trabalho foi desenvolvido integrando a Comissão Criminal Permanente e a Comissão de Direitos Humanos, ambas do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), para discutir as normativas. As ações se iniciaram em 2025 e, segundo Iara Bonazzoli, que faz parte da Comissão de Execução Penal, a intenção é desenvolver um protocolo específico de atuação em casos de tortura. “Os trabalhos tiveram uma primeira reunião em junho e estamos elaborando um documento oficial”, afirmou a defensora.