Por: Ascom MPF/PB – Publicado em: 27.08.2019
O Ministério Público Federal (MPF) recebeu de lideranças do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) representação denunciando a situação de vulnerabilidade social de cerca de 500 famílias que estão em situação precária em 35 ocupações na cidade de João Pessoa (PB) e entorno. Conforme a representação, essas pessoas vivem em barracos ou moradias sem estrutura básica, sem acesso a políticas públicas e sob risco constante de despejo. A representação foi entregue ao MPF na quinta-feira (22) em reunião que teve a participação ativa da Defensoria Pública Estadual (DPE). MPF e DPE atuarão com a Defensoria Pública da União (DPU) para garantir às famílias acesso a políticas públicas e moradia.
Os representantes das famílias apresentaram casos urgentes de pessoas com necessidade de atendimento médico. Entre os casos, um envolve várias crianças que moram em ocupações no bairro de Mangabeira 8, que estariam com uma doença nos pés, agravada pelo fato da localidade ocupada estar fora da área de cobertura da unidade do Programa de Saúde da Família (PSF) mais próxima.
Famílias de várias ocupações informaram a negativa de atendimento por unidades do PSF. “A gente marca pra fazer um exame e [o médico] nunca vem. Quando vem, a gente já está até boa”, revelou Marluce Salviano de Sousa, da Associação de Cidadania e Inclusão Social do bairro Colinas do Sul. Mesmo quando há médicos, as famílias não são reconhecidas como portadoras de direito a uma consulta no posto de saúde mais próximo.
“Os doutores do posto dizem que é área descoberta e não querem atender”, contou Ivânia Soares de Oliveira, moradora da comunidade Nova Jerusalém, localizada no bairro Colinas do Sul, em João Pessoa. Ivânia Oliveira mora sozinha num barraco de lona com os dois filhos, um garoto de três anos e uma bebê de um ano e meio. Ela conta que quando ficam doentes, não adianta levar no posto. “Se não levar para o hospital, ficam sem atendimento”.
Ela sobrevive com R$ 200 que recebe do Bolsa Família e complementa a renda fazendo bicos como cabeleireira. Ivânia Oliveira contou como está sendo passar o inverno no barraco, sob as chuvas intensas que caem na capital paraibana. “É difícil porque tem parte da ocupação da gente que alaga, em que a água dá no meio da canela. Muita gente perdeu muita coisa, geladeira, fogão, quase os móveis todos e a Defesa Civil nem apareceu para ajudar a gente”, relatou.
Escola na ocupação – As lideranças presentes na reunião, em sua maioria mulheres, contaram sobre os esforços que fazem para remediar a ausência das políticas públicas nas ocupações. É o caso da cozinheira Adeilda da Silva, hoje líder da ocupação Thiago Nery, que mantém uma escola em Mangabeira 8. Segundo Adeilda, a escola abriga 56 crianças, com idades variando entre 2 e 14 anos, e é mantida com trabalho de professores voluntários e doações. Um dos doadores é um pastor de Santa Catarina que veio, segundo conta, construir a casa dela, mas Adeilda preferiu que ele fizesse a escola. Cozinheira de forno e fogão, ela conta que oferece café, almoço e ainda roupa lavada aos estudantes. “Minha escola é bem organizada, toda na cerâmica, tem banheiro e tem espaço para as crianças brincarem”, descreveu a líder.
Moradora da ocupação há cinco anos, ela disse que continua vivendo num barraco de madeira ao lado da escola. Mãe de cinco filhos, Adeilda revelou que não sabe ler nem escrever. “Estudei o primeiro ano, mas não aprendi nada. Não sei fazer o nome nem dos meus filhos”, disse. Para participar da reunião na quinta-feira, no Ministério Público Federal, ela contou que saiu perguntando onde ficava o MPF e não acertou logo de início. “Primeiro eu fui para aquele grande [o prédio do Ministério da Fazenda que fica na mesma avenida] e de lá me passaram pra cá”, relatou a moradora.
Comer ou pagar aluguel – Segundo o coordenador do MTD, Gleyson de Melo, a redução dos programas de construção de moradias para a população de baixa renda, o aumento do desemprego e da miséria explicam o crescimento das ocupações urbanas no entorno da capital paraibana e dos grandes centros. “As pessoas não têm alternativa. Ou comem ou pagam aluguel e entre pagar aluguel e comer, você escolhe sobreviver. Então, sai do aluguel e ocupa um espaço público, mesmo sabendo que não vai ficar ali a vida toda, mas, pelo menos, o tempo em que você está na ocupação está livre de pagar o aluguel”, ponderou o coordenador.
A lógica da alternativa da ocupação, explicou Gleyson Melo, é que, por exemplo, “se a família pagava um aluguel mensal de R$ 350,00, e já está numa ocupação há um ano, são R$ 4.200 reais que a família deixou de gastar com aluguel para investir na alimentação”, explica. “A renda mínima que as pessoas tinham nos programas sociais também foi retirada, então, se você pega o caso [do bairro] Mário Andreazza, por trás da Polícia Rodoviária Federal, em Bayeux (PB) – que é um dos casos mais emblemáticos – nos últimos cinco meses, foram iniciadas mais de sete ocupações de famílias que, não tendo outra alternativa, ocuparam as áreas para fazer moradia”, exemplificou.
Atuação conjunta – Na reunião, ficou delineada atuação conjunta para atender, inicialmente, os 35 casos de ocupações urbanas feitas por famílias que não têm onde morar e montam moradias precárias nas periferias da capital e da grande João Pessoa ou ocupam logradouros públicos e prédios abandonados. Inicialmente, MPF, DPU e DPE visitarão as ocupações “para constatar quais as necessidades e emergências de cada uma dessas famílias e, a partir daí, sabermos como atuaremos, quais órgãos vamos procurar, como Prefeitura Municipal, Secretaria de Saúde, dentre outros”, informou a defensora estadual, Raíssa Palitot.
O procurador da República José Godoy Bezerra de Souza destacou a importância desse momento em que os órgãos fazem uma escuta ativa das famílias em situação de vulnerabilidade para entender exatamente as demandas que são trazidas. “Nesse contato já detectamos muitas demandas que envolvem direitos fundamentais, como alimentação, moradia, saúde, educação, transporte público, entre outros”, adiantou o procurador, e reiterou que a atuação conjunta entre Ministério Público e Defensorias da União e da Paraíba permitirá que os casos sejam analisados com maior rapidez e precisão.
Foto: Ascom MPF/PB