Por: Larissa Claro – Publicado em: 27.05.2021
O dia 1º de janeiro de 2022 terá um novo significado para o agricultor José Ferreira de Lima, residente em Caiçara, a 143 km de distância da capital paraibana. Pelo menos que ele tem memória, a data vai marcar a primeira comemoração de aniversário em aproximadamente seis décadas. Vivendo sem documentos ao longo de quase toda a vida, José Ferreira chegou ao desfecho de um processo que começou há mais de cinco anos, quando procurou a Defensoria Pública do Estado para ingressar com uma ação de registro tardio de nascimento.
De lá pra cá, inúmeras diligências foram realizadas para buscar o paradeiro do provável local de registro do trabalhador rural, que não sabia, sequer, a data do seu nascimento. Foram oficiados os Cartórios de Registro Civil das cidades de Caiçara, Borborema e Araruna – sua cidade natal, bem como as paróquias das mesmas cidades. Nada foi constatado em relação a José Ferreira Lima, nome estimado com base no registro do seu irmão, que mora em outra cidade e que não se relaciona com ele.
Após essa incursão pelos cartórios – e tendo em vista a situação de hipervulnerabilidade do assistido, que mais do que nunca vinha enfrentando sérias dificuldades por não possuir nenhum documento – a Justiça designou uma perícia médica para estimar a idade biológica do agricultor. Ele, então, foi submetido a um Exame de Estimativa de Idade, realizado pelo Instituto de Perícia Científica (IPC) da Paraíba.
Com o resultado da perícia, que constatou idade aproximada de 62 anos, o senhor José Ferreira também ganhou um novo dia de nascimento: 1º de janeiro de 1959. A nova Certidão de Nascimento foi entregue na semana passada pelo Cartório de Caiçara, o que possibilitará ao agricultor a retirada dos demais documentos. A ação foi iniciada pelo defensor público Antônio Rodrigues de Melo, falecido em março deste ano, vítima da Covid-19, também contou a atuação da defensora Diana Guedes (atualmente na DPE do Ceará) e foi concluída pelo defensor da comarca de Belém, Marcos Souto.
“É estarrecedor saber que ainda existem cerca de três milhões de brasileiros, segundo os últimos dados do IBGE, sem certidão de nascimento e por essa razão não têm qualquer acesso aos serviços públicos e aos programas de assistência social. Como é sabido, sem certidão de nascimento, uma pessoa, oficialmente, não tem nome e sobrenome, não pode obter carteira de identidade e CPF, portanto, não existe para o Estado, como cidadã. Dessa forma, o desfecho da ação permite, finalmente, que o senhor José Ferreira de Lima, ainda que tardiamente, seja reconhecido pelo Estado, o que o possibilitará a exercer plenamente a sua cidadania e buscar os serviços públicos necessários para uma vida digna, como garantido pela Constituição Federal”, ressaltou o defensor Marcos Souto.
VIDA DIFÍCIL – Morando de favor na casa da mãe de uma ex-companheira (falecida), com dificuldades na fala e vivendo apenas de doações e bicos que faz como agricultor, a documentação será importante, sobretudo, para que ele possa dar entrada em benefícios sociais.
Com apoio do técnico judiciário da comarca de Belém, Jocelino Tomaz, a reportagem perguntou ao senhor Ferreira como ele viveu todos esses anos sem documento. Ele disse que sempre trabalhou na roça ou viveu pedindo nas ruas e que o seu registro original foi perdido quando ainda era criança e vivia com a avó. Ele também disse não ter memória de aniversário na infância e que o próximo dia 1º de janeiro será a primeira vez em que celebra a data.
Dona Josefa Francisca da Silva, que acolheu o agricultor em casa e o levou à Defensoria para buscar a documentação cinco anos atrás, afirma que agora está mais aliviada. “Eu tinha muita preocupação com ele, porque ele não tem nada, nem ninguém. E aqui a gente vive com muito pouco. Depois que minha filha morreu, ele ficou por aqui mesmo, num quartinho atrás da minha casa, mas a situação é muito difícil. Não fosse a doação de alimentos que ele recebe da igreja, não sei como seria”, disse a aposentada de 70 anos.
Fotos: Jocelino Tomaz