A atuação da Defensoria Pública da Paraíba (DPE-PB) vem garantindo a realização do processo transexualizador para pessoas trans que vinham encontrando dificuldades em agendar o procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). As ações visam garantir, principalmente, a cirurgia de mastectomia bilateral.
Desde 2022, a DPE, por meio da Coordenadoria de Defesa dos Direitos Homoafetivos, da Diversidade Sexual e do Combate à Homofobia, atendeu diversos casos de assistidos que não conseguiram fazer o procedimento pelo SUS e receberam como alegação da gestão pública a falta de interesse dos profissionais, em virtude dos valores pagos por cada procedimento.
“Foi dito que os médicos não estavam mais aceitando os valores que iriam receber por cada cirurgia. Foram muitas promessas e cancelamentos. Após isso, enfrentamos uma longa jornada para poder conseguir a cirurgia. E um dos passos foi a judicialização”, explicou Antony Marinho Soares, de 35 anos, que buscou a Defensoria Pública para auxiliar no processo.
A instituição passou a buscar meios legais para garantir o procedimento aos assistidos e prestou auxílio durante todo o processo até a realização da cirurgia. “A Defensoria estava nos ajudando em todas as etapas dessa luta, cobrando dos órgãos responsáveis. Então, agilizou ainda mais o processo”, conta Antony.
CIRURGIAS INTERROMPIDAS – Além de Antony, outros casos passaram a ser acompanhados pela DPE, entre eles, o de Alysson Almeida Souza, 31 anos. No final de 2022, ele procurou a Defensoria Pública porque foi um dos primeiros a estar na fila do SUS para realizar a cirurgia de mastectomia. Ele fazia acompanhamento no Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais Fernanda Benvenutty, em João Pessoa, desde 2014.
Alysson conta que estava aguardando o procedimento quando o médico indicado para realizar a cirurgia alegou que ele não ficaria satisfeito com o resultado estético. “Ressaltei na mesma hora que a cirurgia iria muito além de um resultado estético, que precisava dela para obter melhor qualidade de vida, já que as minhas mamas eram enormes”, lembra.
O médico, segundo Alysson, também alegou que ele deveria perder 20kg para realizar a mastectomia, sugerindo, inclusive, uma cirurgia bariátrica. “Recebi alta do Hospital Frei Damião sem realizar o procedimento e me sentindo totalmente invalidado como ser humano. No mesmo ano, as cirurgias pararam de acontecer”, relata.
A situação só teve um desfecho cerca de um ano depois, após a intervenção da Defensoria Pública. “Foi quando uma nova equipe médica foi contratada e então realizei novamente todos os procedimentos para dar continuidade a minha cirurgia, sem precisar perder nenhum quilo”, ressalta.
VIDA NOVA – Para Antony Marinho, a cirurgia também foi muito tranquila. “Fiz todos os exames e acompanhamentos pelo SUS. O Hospital Maternidade Frei Damião, onde fiz a cirurgia, me recebeu da melhor forma, com toda a atenção, cuidado e respeito. Correu tudo bem”, garante.
Além da alteração física, ele destaca a mudança de vida depois da cirurgia. “Foi simplesmente um divisor de águas. Eu era um Antony, antes da cirurgia e hoje eu sou outro. Sou um cara que não se preocupa com a roupa que eu vai usar, das pessoas me abraçarem ou estarem olhando e um ‘volume estranho’. Sou uma pessoa mais livre, realizada, completa. Hoje eu consigo me olhar no espelho e ver justamente aquilo que eu sempre desejei, que eu sempre almejei. Hoje eu sou uma pessoa realizada”, relata.
O sentimento é compartilhado por Alysson Almeida que, dois meses após a cirurgia, se diz completamente satisfeito não apenas com o resultado, mas como de fato ter uma melhor qualidade de vida. “Tive um pós-cirúrgico maravilhoso. Gostaria de ressaltar a importância de ter um atendimento humanizado por bons profissionais, isso tem consequência não só para a saúde física, como mental. Quero agradecer à Defensoria Pública que me apoiou desde o início e compreendeu minha situação quando muitos não fizeram”.
LEGISLAÇÃO – A coordenadora da Diversidade da DPE-PB, a defensora pública Remédios Mendes, lembra que a Portaria 2.803/2013 do Ministério da Saúde determina a atenção integral a usuários do SUS no processo transexualizador. A norma ainda prevê que sejam feitas cirurgias, que incluem mastectomia (retirada dos seios), plástica mamária (implante de prótese mamária de silicone), tireoplastia (redução do pomo de adão para feminilização da voz), histerectomia (retirada do útero e ovários), as cirurgias de redesignação sexual no órgão genital de ambos os gêneros e cirurgias complementares.
O SUS também oferece terapia medicamentosa hormonal disponibilizada mensalmente (estrógeno ou testosterona) e acompanhamento do usuário no processo com uma equipe multiprofissional nas unidades de saúde e ambulatórios.
Assim como para a realização do tratamento hormonal, é muito importante que a pessoa já esteja fazendo acompanhamento psicológico e psiquiátrico e esteja sob orientação de endocrinologistas. Isto porque as cirurgias plásticas, além de terem muito impacto no bem-estar físico e saúde mental de transexuais, são determinantes e mudanças que ficarão para a vida toda.
SES – A secretária executiva da Secretaria de Estado da Saúde, Renata Nóbrega, confirmou a dificuldade para ofertar as cirurgias nos últimos anos em razão dos valores da tabela SUS e dos profissionais envolvidos. Ela ressalta que a situação foi regularizada em 2023, a partir da reestruturação da equipe médica e atualização dos valores de tabela. Durante o ano de 2022, foram realizadas apenas duas cirurgias, segundo Renata. Já em 2023, o número saltou para 19.
Por Thais Cirino