Por: Matheus Wendell* – Publicado em: 07.06.2020
Enquanto questões sobre pandemia, racismo estrutural e violência policial continuam reverberando no mundo inteiro em forma de discussões e protestos, as instituições têm refletido, mais do que nunca, sobre seu papel na construção de uma sociedade efetivamente democrática e igualitária para todos. Não é diferente com a Defensoria Pública do Estado (DPE-PB) que, na última semana de maio, mês em que é celebrado o Dia do Defensor Público, realizou uma semana de lives para debater temas necessários e urgentes.
O encarceramento de mulheres, o antirracismo institucional como promoção dos direitos humanos, atuação da Defensoria durante a pandemia da Covid-19, e educação em direitos foram alguns desses temas. E a dinâmica foi assim: defensores públicos da Paraíba se dividiram em lives com convidados de outros estados, no período de 25 e 29, para discorrer sobre as diversas atuações e a dimensão dos direitos humanos no contexto atual. As transmissões continuam salvas no IGTV da DPE-PB no Instagram (@defparaiba).
A organização foi da defensora pública Naiara Della-Bianca e o resultado bastante satisfatório, tanto em audiência, como em interação e na chegada de novos seguidores interessados no conteúdo do perfil institucional.
Desde que foi decretada a situação de calamidade pública na Paraíba, os defensores têm trabalhado intensamente, seja extrajudicialmente, por meio de tutelas coletivas, ações civis públicas, recomendações e ações individuais. Tudo para reduzir os efeitos da pandemia sobre a população e garantir assistência aos mais vulneráveis.
CONFIRA UM RESUMO DAS DISCUSSÕES
“Mulheres e encarceramento: um debate necessário” (25/05)
“Quando a gente faz um recorte de raça e classe, a gente vê que são mulheres pretas, são mulheres pobres, a maioria mãe solo”, disse a defensora pública Raíssa Palitot (PB) sobre o perfil das mulheres encarceradas no Brasil. Ela é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da UFPB e convidou a advogada e professora de Direito Penal e Criminologia da UFRJ, Luciana Boiteux, para falar sobre como as questões de gênero impactam de forma diferente a vida das mulheres no sistema de Justiça e prisional.
Luciana comemorou o aumento de pesquisas na área, destacou a importância da informação e de pessoas se dedicando ao assunto. “Eu fico muito feliz de ver que tem muitas mulheres egressas se organizando em movimentos, tendo voz e sendo chamadas para os espaços”. O diálogo entre as pesquisadoras, que abriu a semana das lives, chamou atenção para inúmeras violências impostas a mulheres no sistema prisional, como estigma, abuso sexual, violência obstétrica, tortura psicológica, racismo institucional e transfobia, só para citar alguns exemplos.
“A responsabilidade de todos, a educação e metodologias ativas de trabalho no cenário pós pandemia” (26/05)
Dando sequência a programação, o defensor público Filipe Pinheiro (PB) recebeu o também defensor Évenin Ávila (DF) para um bate-papo sobre o papel da Defensoria na difusão dos direitos humanos e da cidadania, sobretudo em uma realidade desenhada a partir de uma pandemia.
Na conversa, os defensores destacaram a educação em direitos como função institucional da Defensoria Pública, conforme previsto no art. 4⁰, inciso III, da Lei Complementar n⁰ 80/94. Também pontuaram que, além de servir como ponte para o acesso à Justiça, a educação em direitos concede poderes à população, permitindo que os indivíduos de uma sociedade não apenas tenham conhecimento dos seus direitos, como possam também solucionar seus conflitos sem a necessária intervenção estatal, podendo ainda evitar o surgimento de problemas judiciais mediante a adoção de medidas preventivas.
“Atuação da Defensoria Pública na esfera criminal em tempo de pandemia” (27/05)
A defensora Pública Carollyne Andrade (PB) e o defensor Rochester Araújo (ES) discutiram sobre os impactos da pandemia na esfera criminal brasileira, pensando em estratégias para a defesa. O Direito Penal foi abordado no tocante ao aumento dos crimes de violência doméstica, bem como a necessidade do assessoramento à mulher que é vítima.
Os expositores afirmam que a defesa não pode abrir mão de garantias fundamentais. Assim, soluções foram indicadas, como a de exigir que o Judiciário dê vista aos autos para manifestação da Defensoria Pública sobre os flagrantes recebidos, bem como que os exames de corpo de delito sejam feitos com fotos das pessoas presas, para que se evitem práticas policiais abusivas. Eles ainda salientaram que a prisão é última opção, e se torna ainda mais excepcional nessa época em que se teme a aglomeração de pessoas em cadeias – estruturas insalubres e sem ventilação.
“Pandemia e Defensoria Pública: ações e desafios” (28/05)
No quarto dia, a defensora Mariane Fontenelle (PB), que integra o Grupo de Atuação Estratégica Emergencial da DPE (Covid-19), convidou a defensora pública do Estado do Ceará, titular da Comarca de Limoeiro, Lívia Soares, para conversarem sobre as ações e desafios da Defensoria Pública no momento de pandemia atual.
As duas ressaltaram a necessidade de ampliação dos canais de atendimento da DP no período de isolamento social, abordaram a importância da litigância estratégica e destacaram atuações extrajudiciais e judiciais promovidas pela Instituição, na Paraíba e no Ceará, durante o surto de Covid-19. Também foi feita uma reflexão sobre o papel que os defensores terão em um cenário pós-pandemia.
“Antirracismo institucional como dimensão de promoção dos direitos humanos na atuação da Defensoria Pública” (29/05)
Para a defensora pública Carla Caroline Silva (SE), a fala racista não precisa, necessariamente, ser direta, mas também acontece de forma sutil nos processos de comunicação. “A percepção do racismo individualista é importante, mas ele é um conceito fraco para a gente entender o fenômeno social, o processo que é o racismo”, enfatizou. Ela foi a convidada da defensora pública Aline Mota (PB), para discutir antirracismo institucional e a promoção dos direitos humanos.
De acordo com Carla, é necessário compreender o racismo institucional e estrutural. O primeiro é resultante dos processos das instituições do Estado (família, escola, órgãos públicos, igreja, etc). “A gente precisa entender que houve um período da nossa história onde pessoas negras foram escravizadas, houve um período onde existiu uma religião oficial. Como é que essas instituições estão lidando com as dinâmicas étnico-raciais? Essa é a análise que se faz”. Já o racismo estrutural é entendido como um processo político e histórico, que rege as dinâmicas étnico-raciais dentro de um determinado contexto.
As defensoras expuseram formas de enfrentamento ao racismo institucional de modo concreto, indicando a adoção de ações afirmativas por meio das cotas raciais e utilização de bancas de heteroidentificação nos concursos da Defensoria Pública. Houve críticas ao atendimento nas DP’s sob uma perspectiva antirracista, constando que há muito a ser melhorado no trato com o usuário dos serviços da Instituição.
*Estagiário