Professores se reúnem com MPF e DPE para relatar ameaças à liberdade de ensino

Publicado em: 01.11.2019

 

Professores amedrontados, acuados e temerosos pela própria integridade física procuraram o Ministério Público Federal (MPF), em João Pessoa, para relatar ameaças à liberdade de cátedra e que estariam sob pressão em razão da atividade de docência. Durante a reunião, que contou com a presença da defensora pública Lydiana Cavalcante, o procurador-chefe substituto do MPF na Paraíba, José Godoy Bezerra de Souza, ouviu das vítimas que professores teriam se sentido intimidados durante a ida de integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) – defensores do movimento Escola Sem Partido, a uma escola, acompanhados por vereadores da capital.

Conforme Felipe Baunilha, do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Estado da Paraíba (Sintep-PB), o sindicato já recebeu reclamações de professores de quatro escolas diferentes na capital: Escola Cidadã Integral Francisca Ascensão Cunha (FAC), da Escola Cidadã Integral Técnica Pastor João Pereira Gomes Filho (Ecite de Mangabeira), do Centro Estadual de Ensino-Aprendizagem Sesquicentenário e da Escola Estadual Cidadã Integral Cônego Nicodemos Neves. Segundo o representante do Sintep, “todas as reclamações são referentes a algum tipo de retaliação por expressar diferentes metodologias, em especial, quando relacionada à questão da diversidade sexual. No caso da escola Sesquicentenário, as retaliações teriam ocorrido quando os professores abordaram em sala de aula os movimentos sociais”, informou Felipe Baunilha.

“Mas sabemos que há subnotificação. Desde o movimento Escola sem Partido em âmbito nacional, com essa onda conservadora, e, principalmente, depois dos ataques sofridos aqui na capital, professores têm se sentido acuados, temerosos de tratar determinados temas em sala de aula e sofrerem exposição e ataques pessoais, retaliação da direção da escola e das famílias. Muitos professores relatam o medo de abordar determinados temas na escola, afinal, os ataques não são apenas aos conteúdos mas também à figura dos professores e professoras”, relata o representante do Sintep.

Segundo Felipe Baunilha, a orientação do sindicato é que os professores procurem o Sintep para que o órgão representativo da classe possa acionar a Secretaria de Educação e, quando necessário, a Justiça. “Diante da subnotificação, criamos um canal de denúncia dos professores no site do sindicato, para que todos possam solicitar apoio e garantir sua liberdade de cátedra”, informou o professor. O canal de denúncia de possíveis assédios ou recriminação dentro da escola pode ser acessado através do endereço http://bit.ly/educacaolivrepb

Ainda segundo o representante do Sintep, a falta de posicionamento da Secretaria de Educação sobre os casos deixa os gestores temerosos. “Os gestores não têm se sentido respaldados pela secretaria a desenvolver esta função básica da escola que é estimular o livre debate de ideias”, disse.

A professora de português Angela Chaves participou da reunião no MPF e relatou que uma vereadora da capital retirou do contexto um trecho de um exercício feito em sala de aula e acusou a professora de não saber escrever, ser cristofóbica e intolerante religiosa. “Ela disse que ia abrir um processo contra a minha pessoa e passou uma semana fazendo esses comentários terríveis e mentirosos nas sessões da Câmara Municipal e ontem [29/10], falou mais uma vez no meu nome, na audiência pública da câmara, me acusando das mesmas coisas”, relatou Angela Chaves. A professora conta que, após o episódio de superexposição, passou a tomar comprimidos e ir à terapia.

Encaminhamentos – Após os relatos das ameaças e retaliações enfrentadas pelos professores, foram definidas algumas medidas de atuação, dentre elas a realização de uma audiência pública com a presença de órgãos que atuam perante a Justiça em âmbito federal e estadual. A audiência deve ocorrer nos próximos 30 dias com a participação da comunidade estudantil, sociedade civil organizada, entidades interessadas no tema, além de órgãos como o Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública Estadual (DPE/PB) e Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paraíba (OAB/PB).

Observatório da intolerância
 – Em novembro de 2018, foi lançado na Paraíba o Observatório Interinstitucional de Violências por Intolerância, uma central virtual que recebe e acompanha as denúncias de violências motivadas por preconceitos e atos de intolerância no estado. O sistema recebe casos ocorridos no estado da Paraíba e permite que as vítimas indiquem os agressores e informem sobre a existência de provas. O sigilo das informações é garantido. O observatório disponibilizou um formulário de denúncias online, no endereço eletrônico www.defensoria.pb.def.br

Os registros recebidos são analisados e encaminhados para as instituições responsáveis pela apuração dos fatos e responsabilização dos agressores. A Defensoria Pública Estadual orienta as vítimas juridicamente e acompanha casos graves relatados.

A defensora pública estadual Lydiana Cavalcante informou que a Defensoria Pública da Paraíba, através do Núcleo de Direitos Humanos, está à disposição dos professores que foram ofendidos em sua autonomia didática. “A liberdade do cátedra não é uma garantia somente do professor, mas também do aluno, que tem o direito de aprender, através de um olhar crítico, e a formar sua opinião com diferentes pontos de vistas e liberdade para se expressar e se desenvolver como um ser social, como preconiza a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente”, defendeu.

“Todos os professores que se sentirem violados ou constrangidos poderão enviar denúncias online para o observatório, a fim de que a instituição possa apurar e tomar as medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis para assegurar a liberdade de expressão, de ensino e combater qualquer tipo de intolerância sem fundamento científico, baseada tão somente em opiniões pessoais ou políticas”, orientou a defensora.

Recomendação –
 Ainda em novembro de 2018, MPF, MPT, DPU, DPE e OAB recomendaram que universidades e escolas paraibanas estimulassem o debate de ideias nas aulas e se abstivessem de qualquer atuação que atente contra a liberdade de cátedra. A recomendação visou assegurar que as escolas e universidades não interferissem na liberdade de cátedra dos professores, com argumento que significasse violação aos princípios constitucionais. Conforme a recomendação, as instituições de ensino deveriam ainda adotar as medidas cabíveis e necessárias para que não houvesse qualquer forma de assédio moral contra os professores por parte de servidores, professores, estudantes, familiares ou responsáveis.

Lei estabelece punições – O procurador da República José Godoy destacou que, além da Recomendação nº 37/2018, em que vários órgãos assinaram recomendando o respeito à legislação vigente, à Constituição Federal (artigos 205 e 206) que assegura a liberdade de cátedra (liberdade de ensino) e a liberdade de expressão nas escolas e nas entidades educacionais, o Estado da Paraíba possui também legislação específica – a Lei 11.230/2018, assegurando a liberdade de cátedra nas escolas e estabelecendo punições.

“Entre as providências a serem adotadas, está uma reunião com o secretário estadual de educação, visto que a situação envolve escolas estaduais, para que ele assegure a liberdade de cátedra e garanta que não haja nenhum tipo de assédio moral aos professores no ambiente escolar”, adiantou Godoy, destacando que “o assédio organizacional ocorre quando a instituição responsável para adotar as providências contra o assédio moral não as adota”.

A reunião em que os professores denunciaram as ocorrências de assédio moral ocorreu na sede do MPF, em João Pessoa, na quinta-feira (24) e teve a presença de professores da Escola Cidadã Integral Francisca Ascensão Cunha (FAC), da Escola Cidadã Integral Técnica Pastor João Pereira Gomes Filho (Ecite de Mangabeira), de representantes da Defensoria Pública Estadual, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Estado da Paraíba (Sintep-PB), Conselho Estadual de Educação da Paraíba (CEE) e do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB. Também participou da reunião a deputada estadual Estela Bezerra e assessoria.

 

Fonte: Ascom MPF

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