Por: Larissa Claro – Publicado em: 25.01.2019
Edvaldo Fernandes Farias e José Virgílio Filho estão juntos há 38 anos e há nove assinaram um contrato de união estável, protagonizando a primeira união homoafetiva pública de João Pessoa. Na última quinta-feira (24), eles vivenciaram mais um marco na luta pela reafirmação dos direitos da população LGBTQI+ e do amor que sentem um pelo outro: casaram-se numa celebração coletiva que reuniu 32 casais LGBTQI+ de várias cidades da Paraíba, promovida pela Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE-PB) em parceria com o Movimento Social de Defesa dos Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer, Intersexo e Mais.
O casamento aconteceu no Teatro Paulo Pontes, no Espaço Cultural José Lins do Rego, e foi testemunhado por cerca de 700 pessoas, que lotaram o teatro com capacidade para 660 lugares. Celebrado pelo juiz de Direito Romero Feitosa, o casamento foi marcado pela emoção dos casais, familiares e amigos, mas também por atos políticos de reafirmação dos direitos civis conquistados pelos casais homoafetivos nas últimas décadas.
Para a coordenadora da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos, Remédios Mendes, a DPE cumpre o seu papel com a lei, que é de proteger e garantir o direito, sobretudo, dos mais vulneráveis, da população mais discriminada. “É pra isso que existe a Defensoria Pública, pra promover direitos e garantir o direito daquelas pessoas que precisam de uma instituição forte para lhes apoiar e ser seu porta-voz”, disse.
A defensora pública acrescentou que o evento também tem caráter pedagógico contra o preconceito. “Nós temos um país imenso, plural e as pessoas não são iguais. É justamente pela diferença das pessoas que a gente tem um mundo bonito e é preciso que a gente respeite as diferenças, sobretudo na questão do ser humano e da dignidade da pessoa humana. Que o casamento seja um acontecimento pedagógico para a sociedade e para as famílias. O amor é muito grande, não cabe em nenhuma caixinha, não cabe em um padrão, nem no preconceito de ninguém. O amor é um sentimento maior e por isso nós devemos amar uns aos outros e construir uma sociedade civilizatória e não uma sociedade que caminha para a barbárie”, acrescentou.
PARCERIAS – O defensor público-geral da Paraíba, Ricardo Barros, destacou as parcerias realizadas pela DPE que viabilizaram a realização do casamento coletivo LGBTQI+, em especial o cartório Azevedo Bastos, que se responsabilizou pela emissão das certidões de casamento sem custos para os noivos. “Esse convênio foi fundamental para consolidar o evento e dar o apoio que os casais precisavam para oficializar a união. Onde existem pessoas a Defensoria Pública enxerga cidadãos. Àquele que tiver direitos e procurar a Defensoria, nós estaremos prontos para assistir”, afirmou. A convite da DPE-PB, as cantoras Renata Arruda e Diana Miranda também participaram da cerimônia.
MAIS DIREITOS – Para o casal Edvaldo e Virgílio, que decidiram casar no civil nove anos depois do contrato de união estável, o casamento após 38 anos de relacionamento é mais uma forma de efetivar seus direitos. “Além da convivência de duas pessoas que se amam, é importante e necessário efetivar o direito de viver constitucionalmente. Se a Constituição permite e dá direitos iguais, porque seríamos diferentes? Estamos aqui reafirmando essa conquista que é de igualdade de direitos”, disse Edvaldo, que é professor.
COMBATE AO RETROCESSO – Juntos há 15 anos, os professores de Artes Ednaldo Batista e Milton Santos também oficializaram a união no casamento coletivo realizado pela DPE. “A nossa decisão se deu por dois motivos: pela questão afetiva – estamos juntos há 15 anos e agora realizamos o sonho de oficializar a nossa união – e por uma questão política. Considero que o país vive um retrocesso e a gente não sabe o que vai ser daqui pra frente”, disse Milton Santos.
Ednaldo conta que durante muito tempo teve medo de revelar a sua homossexualidade. Para os colegas de trabalho, isso só aconteceu nas vésperas do casamento, mesmo vivendo com o seu parceiro há 15 anos. “Eu tinha medo do julgamento das pessoas. Sempre ouvi muita piada e preconceito ao extremo, mas vi no casamento a oportunidade de assegurar os nossos direitos e, diante dessa oportunidade, resolvemos agarrá-la com toda a garra”, ressaltou.
AMOR À PRIMEIRA VISTA – O motorista Eric é um homem trans, ou seja, nasceu no corpo de uma mulher, embora jamais tenha se identificado com o gênero. Conheceu a babá Joseane no condomínio em que moravam, quando era síndico do prédio. Um dia, há cerca de um ano, Joseane bateu na sua porta para reclamar da correspondência deixada embaixo da sua porta. “O cachorro rasgou e eu fui reclamar. Cheguei lá e disse ‘Meu amor, não faça isso, não’. Aí ele: ‘Meu amor?’ E começou aí”, contou a babá.
Joseane, que já foi casada e tem duas filhas, garante que nunca se incomodou com o fato de Eric ser um homem trans e afirma que nem pensa nisso. “Foi amor a primeira vista e eu aceitei desde o primeiro momento que o vi”. Para Eric, o casamento é duplamente importante: “Não só pela situação que a gente vive no país, mas também pela união dos nossos sentimentos. Eu me acho autossuficiente para tê-la como esposa e a gente tem se relacionado muito bem. Estamos vivendo juntos, a gente tem sonhos juntos, planeja as coisas, a gente se gosta, então a gente quer a nossa união e espera que ela dure”, disse o motorista.