Por: Cândido Nóbrega – Publicado em: 24.12.2020
A Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE-PB), por meio do Núcleo de Direitos Humanos e da Cidadania (Necid) de Campina Grande, obteve liminar para suspender decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública, em ação de reintegração de posse ajuizada pelo Município de Campina Grande contra cerca de 150 famílias ocupantes de uma área situada no bairro do Cruzeiro
O agravo de instrumento foi elaborado pelos defensores públicos Marcel Joffily e Philippe Mangueira, e protocolado na última quarta-feira (23), durante o plantão judiciário.
A decisão proferida pela 2ª Vara da Fazenda havia determinado a expedição de mandado de reintegração de posse em favor do Município e contra os ocupantes da área, inclusive com utilização de força policial, se necessário. Ademais, o Município de Campina Grande havia informado no processo, no último dia 21 de dezembro, que a desocupação havia sido agendada para o próximo dia 29 de dezembro, às 7h, requerendo ao Juízo que fossem comunicadas a Cagepa, Energisa e a Polícia Militar.
Agilidade – A Defensoria tomou conhecimento do processo na última terça-feira (22). No dia seguinte, reuniu fotografias e vídeo da área ocupada e interpôs, durante o plantão judiciário, agravo de instrumento contra a decisão, alegando várias nulidades processuais, especialmente o fato de que a Defensoria Pública não havia sido intimada para participar do processo na qualidade de custos vulnerabilis, ou seja, na qualidade de “guardiã dos vulneráveis”, conforme determina o Código de Processo Civil em seu art. 554, §1º, do CPC.
A Defensoria alegou, ainda, que o Município de Campina Grande não havia apresentado qualquer plano de realocação das famílias ocupantes de tal área, de modo que a expulsão destas do local agravaria ainda mais um problema social, e que sequer houve a elaboração de um Estudo de Situação, pela Polícia Militar, para fins de realização de uma desocupação pacífica.
Argumentos acolhidos – Nesse mesmo dia, o desembargador plantonista Luís Sílvio Ramalho Júnior acolheu os argumentos suscitados pela Defensoria, deferindo a liminar para suspender a decisão agravada que determinou desocupação da área com a reintegração de posse em favor do Município, proibindo-lhe, por conseguinte, a adoção de qualquer medida tendente à retomar a posse do imóvel e demolir as construções porventura realizadas no local, sob pena de incidência de multa no valor de R$ 100 mil.
Em suas razões, o desembargador aduziu que quando se tratar de ação possessória envolvendo inúmeros litigantes, deve o magistrado respeitar a norma contida no § 1° do art. 554 do CPC, que determina a intimação da Defensoria Pública para representar as pessoas em situação de hipossuficiência econômica.
Ademais, endossando as afirmações da Defensoria, aduziu o magistrado que a área pública foi invadida por famílias carentes, em situação vulnerável, sendo que o imóvel encontra-se ocupado por um grupo de mais de 150 famílias, entre idosos, mulheres e crianças. Portanto, considerando que as características do local demonstram que os ocupantes são pessoas em situação de hipossuficiência financeira, mostra-se, aparentemente, necessária a prévia intimação da Defensoria Pública.
Participação indispensável – “Desse modo, a atuação da Defensoria Pública deve ser observada como guardiã dos vulneráveis em ações possessórias, sendo indispensável sua participação, sob pena de nulidade, e que presume-se perigo de dano pelos mesmos fatos expostos acima, uma vez que a vulnerabilidade dos ocupantes por si só é indicativa do dano acima referido”, destacou Luiz Sílvio Ramalho Júnior.
Para o defensor Marcel Joffily, a decisão é importante não só porque consolida ainda mais a atuação da Defensoria Pública enquanto custos vulnerabilis (guardiã dos vulneráveis), mas principalmente por resguardar as 150 famílias carentes que estão apossadas na área, e que poderiam sofrer um dano irreparável caso a desocupação fosse levada adiante, sem qualquer plano do Município para realocação destas famílias.
Já o defensor público Philippe Figueiredo, ressaltou que a decisão representa um marco para a Defensoria Pública, por reforçar o seu papel de guardiã dos vulneráveis, de modo que em demandas dessa natureza impreterivelmente deve haver a participação da instituição.
Ele acrescenta, ainda, a sensibilidade do Tribunal de Justiça em evitar o despejo de famílias carentes sem qualquer plano de realocação destas. Para ele, a dignidade humana é fundamento de existência do Estado Brasileiro, não podendo ser relegado por interesses econômicos de ocasião. A decisão cabe recurso.